O exame rotineiro de urina é um método simples, não-invasivo, capaz de fornecer uma variedade de informações úteis em relação a patologias envolvendo os rins, o trato urinário e, por dados indiretos, algumas patologias sistêmicas.
Apesar de simples, diferentes técnicas encontram-se envolvidas na sua realização, em 3 etapas distintas:
- análise física,
- análise química,
- análise microscópica do sedimento.
Análise Física
Aspecto
O aspecto normal é límpido exceto nos eqüinos e coelhos, onde muco e cristais de carbonato de cálcio dão a ela uma aparência espessa e turva. Entretanto, uma ligeira turvação não é necessariamente patológica, podendo ser decorrente da precipitação de cristais e de sais amorfos não-patológicos.
A turvação patológica pode ser conseqüência da presença de células epiteliais, leucócitos, hemácias, cristais, bactérias e leveduras.
Pode ocorrer a presença de depósito por excesso de muco em função de processos inflamatórios do trato urinário inferior ou do trato genital, ou pela presença de grande quantidade de outros elementos anormais.
Cor
A cor habitual da urina é amarelo, o que se deve, em sua maior parte, ao pigmento urocromo. Essa coloração pode apresentar variações em situações como a diluição por uma grande ingestão de líquidos, que torna a urina amarelo-pálida. Uma cor mais escura pode ocorrer por privação de líquidos.
Portanto, a cor da urina pode servir como avaliação indireta do grau de hidratação e da capacidade de concentração urinária.
O uso de diversos medicamentos e a ingestão de corantes alimentares também podem causar alteração da cor da urina.
Há numerosas possibilidades de variação de cor, sendo a mais freqüente a cor avermelhada (rosa, vermelha, vermelho-acastanhada). A cor avermelhada pode acontecer na presença de medicamentos, hemácias, hemoglobina, metaemoglobina e mioglobina. As porfirias também podem cursar com coloração vermelha ou púrpura da urina.
Também é freqüente a cor âmbar ou amarelo-acastanhada, pela presença de bilirrubina, levando a urina a se apresentar verde-escura em quadros mais graves.
Densidade
A densidade ajuda a avaliar a função de filtração e concentração renais, bem como o estado de hidratação do corpo. Depende diretamente da proporção de solutos urinários presentes (cloreto, creatinina, glicose, fosfatos, proteínas, sódio, sulfatos, uréia, ácido úrico) e o volume de água.
Densidades diminuídas podem ser encontradas na administração excessiva de líquidos por via intravenosa, reabsorção de edemas transudatos, insuficiência renal crônica, quadros de hipotermia, piometra, hiperadrenocorticismo, hipoadrenocorticismo, Síndrome de Fanconi, diabetes mellitus e diabetes insipidus.
Densidades elevadas podem ser encontradas na desidratação, diarréia, vômitos, febre, diabetes mellitus, glomerulonefrite, insuficiência cardíaca congestiva, proteinúria, uropatias obstrutivas e no uso de algumas substâncias, como contrastes radiológicos e sacarose.
Análise Química
Cetonas
A acetona é um subproduto do metabolismo da gordura e dos ácidos graxos que proporciona fonte de energia para as células quando as reservas de glicose estão exauridas ou quando a glicose não pode penetrar nas células devido à falta de insulina.
A acetona que passa para a corrente sangüínea é quase totalmente metabolizada no fígado. Quando é formada em velocidade maior do que o normal, é excretada na urina.
Diabetes Mellitus é a doença que classicamente está associada a cetonúria. O jejum ou a dieta podem determinar o aparecimento de acetona na urina.
Bilirrubina
Aumentadas nas situações em que ocorre o aumento da bilirrubina sérica conjugada e sua conseqüente presença na urina. Portanto, valores elevados podem ser encontrados em doenças hepáticas e biliares, lesões parenquimatosas, obstruções intra- e extra- hepáticas, neoplasias hepáticas ou do trato biliar. Os cães apresentam baixo limear renal para bilirrubina e as reações de Traço ou 1+ podem ser consideradas normais em urinas com densidade superior a 1.020. Alguns casos de doença biliar obstrutiva crônica podem cursar com níveis alterados de bilirrubina sérica e ausência de bilirrubina na urina. Falso-negativos podem ser induzidos pelo uso de ácido ascórbico e exposição da urina à luz intensa por longo tempo.
Sangue Oculto
Este teste detecta a presença de hemoglobina e mioglobina. A presença de hemoglobina na urina pode ser proveniente de diferentes estados de hemólise intravascular, em que uma quantidade excessiva de hemoglobina satura a capacidade de ligação com a haptoglobina. Nessas condições, fica livre no plasma, sendo filtrada pelo glomérulo e em parte reabsorvida pelo sistema tubular. O restante é excretado na urina.
A outra causa é a presença de hemácias liberadas no trato urinário por pequenos traumas, exercícios extenuantes ou patologias das vias urinárias, em que as hemácias são lisadas, liberando hemoglobina.
Glicose
A glicose presente na urina reflete os níveis séricos da glicose associados à capacidade de filtração glomerular e de reabsorção tubular.
A glicosúria pode ser causada tanto pelo diabetes mellitus como por outras patologias, como na síndrome de Fanconi e nos quadros de hiperglicemia de outras origens que não a diabética. O limiar renal da glicose é de 180mg/dl no cão e de 280 mg/dl no gato.
Nitrito
A presença de nitrito na urina indica infecção das vias urinárias, causadas por microrganismos que reduzem o nitrato a nitrito. O achado de reação positiva indica a presença de infecção nas vias urinárias, principalmente por bactérias entéricas.
pH
Avalia a capacidade de manutenção renal da concentração de íons hidrogênio no plasma e líquidos extracelulares. Participando do equilíbrio ácido-base, os rins, quando em funcionamento normal, excretam o excesso de íons hidrogênio na urina. Portanto, o pH da urina reflete o pH plasmático e é um indicador da função tubular renal.
O pH da urina depende da dieta. Os animais herbívoros têm pH alcalino, e os carnívoros e onívoros podem variar de alcalino a ácido, dependendo da quantidade de proteína animal presente na sua dieta. Valores elevados podem ser encontrados na alcalose metabólica ou respiratória, infecção das vias urinárias, especialmente por microrganismos que utilizam uréia (Proteus e Pseudomonas sp.), hipocalemia, e ingestão de bicarbonato.
Valores diminuídos podem ser encontrados em acidose metabólica e respiratória, perda de potássio, dieta rica em proteínas, infecção das vias urinárias por Escherichia coli e febre. O uso de anestésicos e de ácido ascórbico pode diminuir o pH urinário.
Proteínas
Em animais normais, uma pequena quantidade de proteína é filtrada pelo glomérulo, mas é reabsorvida por via tubular.
O aumento da quantidade de proteínas na urina é indicador inicial de patologia renal. Entretanto, não são todas as patologias renais que cursam com proteinúria, a qual não é uma condição exclusiva de doença renal, podendo aparecer em patologias não-renais e em algumas condições fisiológicas. O exame de proteína urinária realizado através da tira é apenas um teste de rotina, para melhor avaliação da proteinúria é necessário o exame de relação proteína urinária/creatinina urinária (PU/CU).
Na ausência de uma proteinúria pré-renal, hemorragia, ou inflamação, valores de PU/CU <0,5 são considerados normais, entre 0,5 e 1,0 é questionável para uma proteinúria renal e valores > 1,0 indica proteinúria renal.
Certos fatores extra-renais podem causar uma pequena proteinúria transitória por aumento na permeabilidade glomerular (ex: febre, doença cardíaca, choque e exercícios), por isso uma relação PU/CU entre 0,5 – 1,0 deve ser repetida em duas semanas.
Altas concentrações de proteínas de baixo peso molecular no sangue podem passar através dos glomérulos e causar proteinúria, como a proteína de Bence-Jones (mieloma).
Alguns cães e gatos em estágio terminal da doença podem apresentar o teste normal, devido ao fato de a proteinúria poder decrescer de acordo com a perda do número de néfrons funcionais.
Análise Microscópica do Sedimento
Células Escamosas
É comum o achado de algumas células epiteliais escamosas. A maioria não tem significado clínico, representando uma descamação de células velhas do revestimento epitelial do trato urinário. O achado de células com atípicas nucleares ou morfológicas pode indicar a presença de processos neoplasicos necessitando de investigação específica
Hemácias
Podem estar presentes em pequena quantidade na urina normal. A presença de hematúria indica lesões inflamatórias, infecciosas ou traumáticas dos rins ou vias urinárias. O exercício extenuante pode levar a hematúria discreta.
A forma da apresentação das hemácias, segundo alguns autores, pode indicar sua origem, servindo como um diagnóstico diferencial de hematúrias de origens glomerular e não-glomerular. Quando se apresentam em sua forma esférica habitual (isomorfas), seriam de origem mais distal no trato urinário; quando crenadas (dimórficas), teriam origem glomerular.
Leucócitos
Podem estar presentes em pequena quantidade na urina normal. Normalmente neutrófilos. Quantidades aumentadas indicam a presença de lesões inflamatórias, infecciosas ou traumáticas em qualquer nível do trato urinário.
Cristais
São um achado freqüente na análise do sedimento urinário normal, raramente com significado clínico e com ligação direta com a dieta.
Alguns cristais representam um sinal de distúrbios físico-químicos na urina ou têm significado clínico específico, como os de cistina, biurato de amônio, oxalato de cálcio monoidratado e estruvita. Podem também ser observados cristais de origem medicamentosa e de componentes de contrastes urológicos.
A cistina está ligada a um urólito de cistina. O biurato de amônio sugere insuficiência hepática. Os cristais de estruvita estão normalmente relacionados a infecções por bactérias produtoras de urease. E o oxalato de cálcio monoidratado ocorre com a intoxicação por etilenoglicol.
Apesar de não existir uma relação direta entre a presença de cristais e o desenvolvimento de cálculos, alguns autores apontam a existência de diferenças morfológicas entre os cristais dos pacientes que desenvolvem calculose com uma apresentação de formas maiores, agregadas e bizarras.
Cilindros
São elementos exclusivamente renais compostos por proteínas e moldados principalmente na luz dos túbulos contornados distais e túbulos coletores.
Indivíduos normais, principalmente após exercícios extenuantes, febre e uso de diuréticos, podem apresentar pequena quantidade de cilindros, geralmente hialinos.
Sua formação é influenciada pelos elementos presentes no filtrado e pelo tempo de permanência dentro do túbulo. Nas doenças renais, se apresentam em grandes quantidades e em diferentes formas, de acordo com o local da sua formação.
Os mais comuns são os cilindros hialinos. São compostos principalmente pelas proteínas de Tamm-Horsfall, considerados normais em pequenas quantidades e em maior quantidade em situações como febre, desidratação, estresse e exercício físico intenso.
Os cilíndros podem estar presentes em diferentes patologias como os hemáticos (doença renal intrínseca), leucocitários (pielonefrites), de células epiteliais (lesões túbulos renais), granulosos (doença renal glomerular ou tubular e algumas situações fisiológicas) e céreos (insuficiência renal, rejeição a transplantes e doenças renais agudas e estase do fluxo urinário).
Leveduras e Fungos
Em geral, a presença de leveduras e fungos no sedimento urinário indicam contaminação. Micose sistêmica pode resultar em elementos fungicos na urina. Uma amostra obtida por cistocentese deve ser utilizada para a confirmação do achado. Um resultado positivo deve estar associado à manifestação clínica como por exemplo espondilite, corticóides ou diabetes.
Material: 10ml de urina.
Condições de coleta: Coletar preferencialmente por cateterização ou cistocentese. Enviar ao VetLab o mais rápido possível.
Observações: O ácido ascórbico (Vitamina C) pode causar um falso negativo na leitura de glicose com a fita. Proteinúria e/ou glicosúria de 3+ podem provocar um falso aumento na densidade urinária.
Prazo: mesmo dia
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